quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Filosofia & Cia - Ano I - Número 11 - Novembro de 2009

Os “Trainees” e a teoria da Tabula Rasa de John Locke

Um pouco de história: John Locke (1632-1704), inglês, foi um filósofo cuja área de influência é bastante abrangente. Na política, é considerado o pai do liberalismo, assim como o conhecemos hoje, uma filosofia política que preza a autonomia moral e econômica da sociedade civil em oposição à concentração do poder político. Foi autor de dois tratados de governo que inspiraram a monarquia inglesa, a constituição dos Estados Unidos e os ideiais iluministas franceses. Na filosofia, foi autor de uma teoria do conhecimento inovadora, que investigou o modo como a mente capta e traduz o mundo exterior. Na educação, compilou uma série de preceitos sobre aprendizado e desenvolvimento.

Considerado o protagonista do Empirismo (movimento que acredita nas experiências como principais formadoras das ideias, discordando, portanto, da noção de ideias inatas), o fundamentou em sua teoria da tabula rasa (do latim, "folha em branco”), através de seu livro ‘Ensaio acerca do Entendimento Humano’, de 1690. Para Locke, todas as pessoas ao nascer o fazem sem saber de absolutamente nada, completamente sem impressões, sem conhecimento algum. Então, todo o processo do conhecer, do saber e do agir é aprendido pela experiência, pela tentativa e erro. A ideia de que o homem nasce como se fosse uma "folha em branco", foi muito importante em sua época pois considerava todos os homens como intrinsecamente iguais, dando uma base filosófica para combater o status quo vigente, especialmente em relação à aristocracia e à nobreza.

De volta ao século XXI: Certamente o leitor já ouviu falar nos famosos programas de trainees, uma forma de seleção bastante rigorosa de jovens talentos para trabalhar em grandes empresas. Inicialmente, era uma prática adotada apenas por multinacionais, mas, hoje em dia, praticamente toda empresa média ou grande possui programas similares.

O leitor deve também já ter ouvido ou lido histórias de jovens que iniciaram suas carreiras como trainees e hoje fazem parte da direção ou assumiram a presidência de uma empresa ou grupo. E isto realmente é fato. Por terem ingressado na empresa ainda jovens, recém saídos da universidade, e com todo o gás, conseguiram subrir degrau a degrau, conhecendo bem toda a organização e seus processos administrativos e operacionais, culminando com o posto mais elevado e mais desejado do alto escalão.

Reflexão: Apesar de ser considerada ultrapassada pelas evidências científicas da influência genética no comportamento humano, interesa-nos aqui a teoria da tabula rasa devido a sua ampla aplicação nas organizações do mundo moderno. A esta altura, o leitor deve estar se perguntando: qual a lógica que está por trás destes programas ? A resposta é bastante simples e coerente com o pensamento de Locke. Quando se admite alguém que veio de outra empresa, sua “experiência”, que, na maioria das vezes é importante e positiva para quem o contrata, pode se tornar um ponto negativo em algumas circunstâncias.

Explico: o fato de o trabalhador já ter feito a tarefa de uma outra maneira, pode fazer com que ele, de forma inconsciente, tente reproduzí-la do mesmo jeito que aprendeu ou se acostumou. É uma tendência natural do ser humano, que pode bloquear a criatividade e a inovação, fundamentais para as empresas baseadas em conhecimento dos tempos atuais. Esta experiência anterior, que pode inclusive ser um “vício” (usado no bom sentido da palavra), pode atrapalhar mais do que ajudar, dependendo da situação.

Por outro lado, quando o jovem chega a uma empresa vindo de uma faculdade ou universidade, “sua folha está em branco”, a cabeça está aberta para continuar aprendendo e toda a sua motivação está à serviço de seu primeiro empregador. Desta forma, ele vai despender toda a sua energia no entendimento de como a empresa funciona e, principalmente, pensando no que fazer para que ela torne seus processos mais eficientes e seja mais eficaz nos seus resultados. São também fortemente preparados para enfrentar problemas de relacionamento e outras questões que envolvem relações interpessoais.

Uma outra característica destes programas é que o jovem passa por praticamente todas as áreas da empresa, conhecendo desde o “chão da fábrica” até os processos mais complexos de tomada de decisão gerencial. Esta experiência adquirida se mostrará bastante útil quando, no futuro, ao se tornar gestor da empresa, terá mais facilidade em entender e valorizar o trabalho realizado em cada departamento, conhecendo seus pontos fortes e fracos.

Também é verdade que os trainees muitas vezes são vistos com olhos de “inveja” por parte dos colaboradores mais antigos da empresa. Isto acontece porque são jovens altamente talentosos e capazes, com uma motivação enorme e alta capacidade de aprender e inovar. Também porque todos sabem que, muito provavelmente, alguns daqueles jovens, no futuro, poderão ser os seus chefes. O que muitos consideram uma injustiça, a empresa considera como uma oportunidade, afinal de contas, na sociedade da informação e do conhecimento, o que mais vale não é o tempo de casa, mas o quociente intelectual (QI) e emocional (QE) do colaborador.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Coluna “Falando de Educação” - Ano I – Número 28 – 07 de Novembro de 2009

Uma questão de segurança e de credibilidade ...

Desde o advento da fraude envolvendo o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), que teve que ser adiado por vazamento de uma prova, a pergunta que todos os envolvidos na educação do país se fazem é: os processos de exames, concursos e seleções são realmente seguros ? Há poucos dias atrás a imprensa noticiou que provas do ENADE (Exame Nacional de Desempenho do Ensino Superior) estavam sendo transportadas sem o lacre. O MEC retrucou dizendo que estavam sendo transportadas por pessoal autorizado e de absoluta confiança. Dá para acreditar nisso ?

O fato é que, por mais que os organizadores se esforcem para garantir uma concorrência justa, não faltam flagrantes de fraude nos concursos país afora. Existem até quadrilhas especializadas no assunto. E candidatos dispostos a pagar por seus serviços, que incluem colas eletrônicas e falsificação de documentos. Em 2002, uma quadrilha "aprovou" 28 dos 40 alunos de medicina da Universidade Federal do Acre (UFA). Quando a polícia descobriu o esquema, soube que ela atuava havia 18 anos. Isto tudo sem falar nas inúmeras fraudes já detectadas nos sistemas de cotas de várias instituições, como as que aconteceram na UFBA (Universidade Federal da Bahia), em 2006.

Outras universidades também se preocupam com a segurança de seus vestibulares. As Universidades Federais de São Paulo (USP) e do Paraná (UFPR) estão entre as que usam detectores de metal e rastreadores de sinal de celular para evitar a cola. Na Unicamp, quem fizer a segunda fase do vestibular fornecerá sua impressão digital 11 vezes durante o concurso, para compará-las com a digital de quem fizer a matrícula e evitar a ação de laranjas !

O problema é que as medidas de segurança são caras. Estudos mostraram que cerca de 30% do custo de exames e processos de vestibular são gastos com a questão da segurança, antes, durante e depois da realização das provas. Além disso, a tecnologia muda e se aprimora muito rapidamente, exigindo dos fiscais e do pessoal responsável pela segurança uma atenção cada vez maior. Novos métodos de cola e de transmissão de dados são “inventados” a todo instante e estão se sofisticando cada vez mais.

E o mais desanimador de tudo é que a cola eletrônica não tem sido considerada crime pelo Supremo Tribunal Federal, instância máxima da Justiça brasileira. Em dois casos que já julgou, o órgão considerou que ela não é estelionato nem falsidade ideológica. Além da perda de credibilidade nas instituições e nos processos de seleção, o fato proporciona uma chance clara de impunidade para quem trapaceia. E isto é absolutamente lamentável !