Uma questão de cultura, maus exemplos e de impunidade...
Semana passada discorremos aqui na nossa coluna sobre a fraude envolvendo as provas do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), que provocou o seu adiamento e atrapalhou a vida e a programação de muitos estudantes em todo o Brasil. Discutimos a respeito da segurança de concursos, vestibulares e exames, alertando para o fato de que, mais do que um problema sério de segurança, o fato traz à tona uma questão de credibilidade dos processos e das instituições envolvidas. Hoje vou mostrar alguns casos recentes de malandragens, trapaças e fraudes em vestibulares do país.
Começamos com um caso que aconteceu no Rio de Janeiro, mas que também foi detectado na Universidade de Cuiabá em 2008 e na Federal do Maranhão em 2006. Quatro candidatos para o vestibular de medicina da Universidade Gama Filho pagaram R$ 15 mil a uma quadrilha que os instruiu a comprar celulares com peças de plástico (para evitar os detectores de metais) e encaixá-los na palmilha do tênis para consultar o gabarito no banheiro, enviado por SMS. O esquema só foi identificado graças a uma ligação anônima para o disque-denúncia.
A primeira turma de medicina da Universidade Federal do Acre teve 28 de seus 40 alunos aprovados com fraude no vestibular de 2002. A quadrilha inscrevia especialistas que resolviam rapidamente as questões, saiam da sala e passava as respostas para os alunos, que usavam pontos eletrônicos escondidos em roupas e caixas de chiclete. Os “clientes” pagaram até R$ 20 mil pelo serviço. Descobertos, foram expulsos da faculdade. Casos semelhantes aconteceram na Universidade Federal de Rondônia, também em 2002, nas Faculdades Facene/Famene em 2008 e na Universidade Regional de Gurupi, em 2009.
Já na Fuvest, em 2004, um falso candidato colocou sua foto no RG do irmão e começou a fazer a prova no lugar dele, que queria ingressar no curso de medicina. Durante o exame, nervoso, ele chamou a atenção do fiscal, que resolveu conferir assinatura e a foto e só então desmascarou o impostor. Ele acabou preso por estelionato. Outros casos parecidos com ele foram registrados na Universidade Estadual da Paraíba em 2007 e na Faculdade Evangélica de Curitiba no ano de 2008.
Em 2005, um candidato da Universidade Federal da Bahia (UFBA) declarou ser descendente de índios para conseguir uma vaga no sistema de cotas. Segundo o procurador que investigou o caso, ele atestou suas supostas raízes com um documento em nome da Fundação Nacional do Índio que não era assinado por ninguém do órgão, e sim por um índio de uma aldeia do sul da Bahia. Outra menina fez um ensino médio em colégio particular, entregou diploma falsificado de escola pública e foi denunciada pelos próprios colegas. Descobertos, os dois perderam a matrícula. Outro caso bem parecido com este aconteceu na Universidade Federal do Espírito Santo em 2009.
Vivemos em um país onde os maus exemplos, na maioria das vezes, vêm de cima, de grandes empresários, executivos e políticos de uma forma geral. As fraudes no vestibular são apenas uma conseqüência de um desejo, cada vez mais presente nas pessoas de sempre quererem levar vantagem em tudo (teoria que é injustamente chamada de “Lei de Gérson”). A morosidade da justiça e a impunidade que se vê em grande parte dos casos que chegam ao nosso conhecimento através da mídia também ajudam a sustentar esta cultura baseada na falta de ética, falta de amor e de consideração ao próximo.
Por outro lado, de vez em quando nos deparamos com casos de pessoas humildes que devolveram dinheiro achado em malas ou ligaram para o dono de um notebook encontrado em um banco de praça. Estes sim são exemplos a serem seguidos. Ainda que menos numerosos (na verdade deveriam ser o procedimento normal e nem serem publicados como notícia, mas saem nos jornais como um fato fora dos padrões), estes casos nos mostram que ainda vale a pena acreditar nas pessoas, de que vale a pena ser honesto e trabalhar com dignidade para o alcance dos objetivos pessoais.
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