sábado, 15 de agosto de 2009

Filosofia & Cia - Ano I - Número 8 - Agosto de 2009

A ousadia de Erasmo e o fim do Vestibular

Um pouco de história: No período de transição da Idade Média para a Idade Moderna, o pensamento nascente defendia a liberação da criatividade e da vontade do ser humano, em oposição ao pensamento escolástico, segundo o qual todas as questões terrenas deviam subordinar-se à religião. O antropocentrismo, predomínio do humano sobre o transcendente, era o eixo desta nova filosofia, que seria posteriormente conhecida como Humanismo. Embora fosse profundamente cristão, o filósofo holandês Erasmo de Roterdã (1469-1536) entrou para a história justamente por se opor ao domínio da Igreja sobre a educação, a cultura e a ciência. Era necessária uma boa dose de ousadia para ir contra a influência religiosa que dominava sua época, e era justamente a ousadia que fazia parte das atitudes que um número crescente de intelectuais começava a enaltecer naquele período de profundas transformações.

De volta ao século XXI: O Ministério da Educação (MEC) divulgou nas últimas semanas medidas que devem mudar radicalmente a educação em nosso país. Primeiro anunciou o fim do Vestibular, nos moldes que conhecemos hoje, que será substituído pelo ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio). Depois, anunciou um projeto piloto a ser realizado em 100 escolas estaduais a partir do ano que vem, cujo objetivo é acabar com o currículo escolar fragmentado e terminar com a divisão do saber em disciplinas, trabalhadas de forma isolada e sem nenhum contexto com a realidade do mundo.

Reflexão: Vamos começar nossa reflexão pelo fim da fragmentação do currículo, que é uma atitude louvável, embora complexa e de difícil implementação. O saber é único e as disciplinas não são conhecimentos isolados. Muito pelo contrário, a Química “conversa” o tempo todo com a Física, assim como a História está “intimamente ligada” ao Português. Mas não basta acabar com as disciplinas, ou agrupá-las em grandes grupos, como por exemplo, línguas, raciocínio lógico, humanidades e saúde. Os professores devem ser treinados e capacitados a esta nova realidade, pois estão muito acostumados a atuar de forma isolada, sem interagir com outros professores e outras matérias, pois é assim que aprenderam em sua época de estudantes e é assim que praticam no seu dia-a-dia escolar. A partir de agora, deverão transmitir seu conteúdo de forma integrada, trabalhando em equipe com outros docentes. O conceito de projetos e a interdisciplinaridade ganham muita força com esta nova ideia.

Quanto ao fim anunciado do velho e tradicional Vestibular, o novo ENEM, como está sendo chamada a prova que o irá substituir na grande maioria das faculdades e universidades do país, é uma prova que valoriza muito mais o raciocínio, a comparação, o poder de síntese, de análise e a observação do aluno. Tudo muito diferente das provas que acontecem hoje em dia, onde o estudante precisa decorar um grande volume de informações, privilegiando mais o processo de memorização de fórmulas, datas, nomes e fatos históricos, o que acarreta uma carga de estresse muito elevada para nossos jovens. Trata-se de uma excelente medida, que tende a modificar toda a educação no país, pois os ensinos fundamental e médio fluem muito em função do acesso ao nível superior e, mudando o estilo do processo seletivo, a tendência é uma revisão geral, de cima para baixo, das estratégias de ensino.

Diferentemente de Erasmo, cuja ousadia maior foi lutar contra o domínio da Igreja sobre a educação, nos dias atuais, a grande ousadia do MEC é mexer em um processo tradicional e enraizado, mas que, a olhos vistos, já não é adequado a nossa realidade. Estas medidas ousadas e corajosas são muito necessárias e tendem a causar uma grande revolução na educação do Brasil. Como, infelizmente, não é raro ver em nosso país ótimas ideias se transformarem em grandes fracassos, resta-nos torcer para que sejam bem implementadas e que possam fazer surtir os efeitos tão desejados por todos nós. Nos vemos em Setembro. Um abraço a todos e até lá.

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